SOBRE

Neuromielite Óptica

História

Os primeiros relatos de pacientes com amaurose e mielite são do início do século XIX, entretanto neurologistas e oftalmologistas passaram a se interessar por esta síndrome após a descrição publicada por Eugène Devic e seu aluno Fernand Gault, em 1894. Devic descreveu o caso de uma mulher francesa de 45 anos que foi admitida no Hôtel-Dieu, hospital de Lyon, devido a cefaléia intensa intratável, astenia e depressão. Cerca de um mês após o início, a paciente desenvolveu amaurose, paraplegia, retenção urinária e após algumas semanas a paciente faleceu. A autópsia revelou lesão necrótica e desmielinizante se estendendo por 4 a 5 centímetros de comprimento na medula torácica baixa e lombar, além de lesão desmielinizante nos nervos ópticos. Devido à similaridade do processo patológico envolvendo os nervos ópticos e a medula espinhal, Devic denominou a síndrome de neuro-myélite optique aiguë (doença neuromielite óptica). O aluno de Devic, Fernand Gault reviu em detalhes 17 casos da doença e os descreveu em sua tese “De la neuromyélite optique aiguë”). Em 1907, o médico turco Acchioté sugeriu o epômimo Doença de Devic.

Apresentação

O espectro da neuromielite óptica (ENMO) é uma doença inflamatória, imunomediada e desmielinizante do sistema nervoso central (SNC) caracterizada principalmente por ataques graves de neurite óptica (NO) e mielite transversa longitudinalmente extensa (MTLE). Na maioria dos casos, a doença é ocasionada pelo ataque ao canal da água aquaporina 4 localizado na membrana plasmática dos astrócitos, o que causa um processo inflamatório e desmielinizante em diferentes áreas do SNC. Após a descoberta do anticorpo antiaquaporina 4 ficou claro que o ENMO pode acometer outras áreas do SNC além do NO e da medula espinhal como inicialmente descrito por Devic.

Epidemiologia

Quem pode ser afetado pela NMO?

A idade de início da doença varia de 35 a 45 anos, mas a doença pode mais raramente se manifestar em crianças ou pessoas idosas. O ENMO é mais prevalente no sexo feminino, na proporção de 9:1 nos pacientes que apresentam o anticorpo antiaquaporina 4 positivo. Diferentemente da EM, o ENMO é mais comum em pacientes latino americanos e asiáticos.
 

Existe Neuromielite Óptica no Brasil?

O ENMO é mais comum no Brasil que na América do Norte e na Europa, provavelmente por causa de fatores raciais. No CIEM um grande número de pessoas afetadas pelo ENMO têm sido diagnosticados e tratados.

Modificado de: http://dx.doi.org/10.1016/j.msard.2017.10.015

Sintomas

Os principais sintomas associados ao ENMO são:

– Sintomas associados à neurite óptica:

  • Perda ou redução da visão em um ou ambos os olhos
  • Perda da visão de cores ou contraste
  • Dor à movimentação ocular

– Sintomas associado à mielite transversa:

  • Paralisia (ausência de função motora) de um ou mais membros
  • Paraparesia (fraqueza) de um membro ou membros
  • Perda ou redução de sensibilidade
  • Perda do controle da bexiga ou intestino (incontinência ou retenção)

– Sintomas associados à síndrome de área postrema:

  • Náusea e vômito intratáveis
  • Soluços intratáveis
  • Bocejos persistentes

Ataques:

Os sintomas do ENMO tendem a ocorrer em ataques que são caracterizados por déficits neurológicos (perda de função) com duração superior a 24 horas na ausência de outras causas que justifiquem o sintoma. Os ataques podem apresentar recuperação completa ou parcial, após algumas semanas ou meses, mas recorrem no curso do tempo, na maioria dos pacientes. Os sintomas inaugurais ou iniciais mais comuns são os relacionados à neurite óptica (acometimento dos nervos ópticos), às lesões de mielite transversa longitudinalmente extensa (acometimento da medula espinhal).

Diagnóstico

Em 2015, os critérios diagnósticos foram revisados e propostos pelo Painel Internacional para Diagnóstico de ENMO (IPND). O IPND definiu seis síndromes clínicas como centrais ou cardinais: (1) a NO; (2) a MTLE; (3) a síndrome de área postrema (SAP); (4) a síndrome de tronco encefálico (5) a síndrome diencefálica; e (6) a síndrome cerebral. Assim, o diagnóstico da doença seria estabelecido na presença de uma das seis síndromes clínicas centrais associada à detecção do anticorpo anti-AQP4 no soro. Nos casos em que o exame não estivesse disponíve ou fosse negativo, o diagnóstico seria estabelecido pela presença de duas das seis síndromes clínicas centrais, sendo pelo menos uma delas NO, MTLE ou SAP. Nesses casos, também são necessários achados sugestivos da doença nos exames de imagem por ressonância nuclear magnética (IRM) corroborando os sintomas.

É importante ressaltar que o diagnóstico do ENMO e de outras doenças desmielinizantes pode ser um processo demorado, o qual depende de uma sucessão de achados clínicos e laboratoriais para o estabelecimento de um diagnóstico final.

Abaixo estão listados alguns dos exames que podem ser solicitados:

  • Ressonância Magnética de crânio e coluna;
  • Exame de coleta de líquor (LCR);
  • Potenciais evocados visual, somatossensitivo e auditivo (exames neurológicos);
  • Exames laboratoriais de sangue e urina;
  • Anticorpo antiaquaporina 4;

Tratamentos

Tratamento de surtos (agudizações):

São possíveis as seguintes abordagens no tratamento de um evento agudo:

Esteróides intravenosos:

pulsoterapia com altas doses de corticóide, geralmente metilprednisolona intravenosa por cinco dias.

Plasmaférese:

A plasmaférese é frequentemente recomendada para formas moderadas a agressivas de mielite transversa (MT) e neurite óptica (NO), como frequentemente é o caso com ENMO, caso não haja melhora significativa após o tratamento com esteróides intravenosos.
Nos casos em que não há resposta aos esteróides ou à terapia com plasmaférese, o uso de imunossupressores ou agentes imunomoduladores pode ser considerado.

Um exemplo é o uso de ciclofosfamida intravenosa (um medicamento quimioterápico frequentemente usado para linfomas ou leucemia).

Prevenção de surtos

O curso clínico da doença, em mais de 90% dos pacientes a doença é recorrente, marcada por surtos imprevisíveis de NO, mielite ou outros sintomas como o acometimento da área postrema. Portanto, atualmente é consenso o tratamento contínuo com medicamentos que suprimem o sistema imunológico do paciente.

Os imunossupressores mais comuns no Brasil, atualmente, são:
Azatioprina (Imuran®)
Micofenolato de mofetila (CellCept®)
Metotrexato
Rituximabe

Recentemente, medicações específicas para o ENMO foram aprovadas e provavelmente em breve estarão disponíveis para uso no Brasil.

  • Satralizumabe
  • Inebilizumabe
  • Eculizumabe

Tratamento Sintomático

Os cuidados de reabilitação são essenciais para prevenir complicações secundárias da imobilidade e melhorar as habilidades funcionais. É importante iniciar a terapia precocemente durante o curso da recuperação para evitar problemas relacionados à inatividade (como ruptura da pele e contraturas dos tecidos moles) que levam à perda da amplitude de movimento.

Várias medidas e medicamentos podem ser usados no alívio e controle das manifestações clínicas do ENMO. Entre as manifestações susceptíveis de abordagem terapêutica sintomática se encontram:

  • Espasticidade
  • Dor e dormência
  • Distúrbios da micção
  • Distúrbios do funcionamento intestinal
  • Distúrbios sexuais
  • Fadiga